Texto vencedor da VI Edição do Concurso Literário “A Ética na Vida e no Desporto”.
Estou na linha de partida, lado a lado contigo, mas não me vês. Seguro o
testemunho que vou transmitir a quem vier a seguir. O testemunho dá-me a
segurança de um adereço que entretém as mãos inseguras. Vejo a pista que
me ultrapassa e parece querer fugir de mim. Sinto-me desfalecer, mas não
fraquejo. Quero desistir, mas não o faço. O tempo esvazia-se rapidamente. Os
meus pensamentos são distraídos pelo som forte do sinal de partida. A corrida
está lançada, mas não é igual. Procuro o lado bom da pista, mas não sou a
única. Tu chegaste primeiro. Tens vantagem. Mostras segurança, força,
resistência. Eu tento acompanhar o teu ritmo, mas do meu lado tudo parece
mais difícil. Não esmoreço. É nestes momentos que os vencedores se afirmam.
No fim de contas, a vida é feita de momentos. Instantes que queremos guardar
ou esquecer.
De testemunho na mão percorro o caminho. Deixei de assistir à
existência. Decidi ser eu e partilhar aquilo em que acredito. Defendo o que
sinto, o que desejo, o que eu quero. Decidi ver o mundo do lado do palco,
mostrar-me, dizer que estou ali, existo e quero fazer parte do estádio de que
afinal faço parte.
A corrida torna-se mais dura. Sinto que as curvas e as inclinações são
todas do meu lado. Tu, como homem, não me vês como uma atleta de igual
valor. Isso magoa-me, mas não me desmoraliza. Sinto-me cada vez mais forte.
Quero partilhar a liderança contigo. Conquisto com esforço cada centímetro
que me aproxima de ti. Quero provar a mim mesma que sou igual a ti. São
estes pequenos esforços, estas pequenas centelhas de vontade, estes
pequenos corpúsculos impercetíveis, que me conduzem à essência do que
sou, reconciliando-me com a existência. Luto por pequenos nadas, pequenas
sementes que quando germinarem terão o poder de iluminar ainda mais este
arco-íris que é a vida.
Sim, eu acredito. Eu acredito que aqui posso ser quem eu sou. Estou na
corrida. Ultrapasso os obstáculos que surgem na pista e sigo no teu encalço. É
neste lugar que quero abraçar contigo a igualdade que tenho procurado
incessantemente. É aqui que quero construir o que me falta, completar o que
ainda não tenho, concretizar o meu desejo, a minha ambição, o meu direito de
ser tratada como tu.
Na curva apertada, antes da meta que se aproxima, vejo-te vacilar e cair.
Estou agora na frente, mas não me sinto feliz. Regresso onde te vi tombar para
te apoiar. Estendo a mão para te erguer. No teu olhar, procuro que me aceites
como parceira nesta corrida da vida. Procuro ter orgulho do que sou…do meu
género.
De que género sou? Sou do género humano…tal como tu!
Isabela Quadrado (Colaboradora)
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